terça-feira, 2 de novembro de 2010

A revolução do lado B (mas não é bem verdade)


(Foto: Getty Images)

Lembro que, certa vez, entrei numa loja, então chamada Mesbla, despretensiosamente e me deparei com um banner divulgando liquidação de cd. Era o último suspiro da loja. Era uma oportunidade imperdível. Lá comprei um cd de Raul Seixas, um dos meus artistas favoritos, que há muito procurava. Que sorte! Lembro ainda de ler em bancas revistas como Rolling Stone (ou outra similar) junto com amigos para saber as novidades do meio musical; comprar revistas de cifras de música para aprender a tocar as músicas famosas. Nem faz tanto tempo assim.

Lá para o segundo grau ou início da faculdade começavam a surgir as bandas independentes numa pretensão de gravar cd, bater de porta em porta nos lugares, tentar vender uns 2000 CDs para, quem sabe, com enorme insistência ganhar um segundo de atenção de algum produtor e quem sabe uma vaguinha na tão sonhada indústria fonográfica.

(Foto: Getty Images)
Vi nascer, então, o advento mais democrático (e perigoso) que podia imaginar: divulgação via internet. Não sei se estou enganado, mas foram espaços como o Trama Virtual que deram a faísca para o que veio a ser a autonomia das bandas independentes. Sei que artistas como o Lobão foram pioneiros em se sustentar de forma independente, mas o que veio a seguir foi ainda maior: a mudança na forma de fazer música. Aí veio a MP3, os programas de compartilhamento de arquivos (quem não se lembra do Napster??) e tudo ficou mais fácil. Os músicos continuavam a gravar os seus CDs. Confesso que, daquelas bandas preferidas, eu ainda assim fazia questão de comprá-los. A indústria fonográfica foi caindo, a pirataria ficou mais acessível... mas isso não foi tudo.

O processo de mudança de produção de música estava apenas começando. Após o compartilhamento de MP3, vivenciamos o “fenômeno Youtube”. Agora, além de facilidade de acesso às músicas, os vídeos entravam na mesma panela. Era o fim do velho modelo (embora a indústria não dê o braço a torcer até hoje). A meta das bandas novas agora, diferente da minha época, não é mais gravar um cd, não é mais ensaiar para tocar nas pequenas e alternativas casas de show da cidade... agora é dedicar-se a produzir um bom vídeo e divulgar nos tantos sites de relacionamento que existem, blogs, fotoblogs, twitter... tantas ferramentas!

(Foto: Getty Images)
Malu Magalhães, a menina prodígio como disseram, lançou-se assim. Na real acho que todas essas bandas da geração atual o fizeram também. E a ordem da produção inverteu: agora a banda primeiro faz sucesso, primeiro vira grande para depois gravar um cd. E isso ainda é conservadorismo porque, a meu ver, nem é mais necessário. Hoje é mais fácil ouvir o que se quer, conhecer bandas diferentes, integrar as mídias. E é tão mais fácil também de colocar-se em evidência para um número, antes, inimaginável de pessoas. E com isso os parâmetros de qualidade foram para o saco junto com a indústria fonográfica. Eles ainda existem, mas é tanta gente aparecendo, e é tão prático, que ter conteúdo já não é mais um fator essencial. Ter talento já não é mais um fator tão importante (embora seja sempre admirado). A criatividade aumentou o passe em 1000%, mas o do talento caiu na mesma proporção.

Falemos, enfim, do perigo disso tudo: a criatividade é um momento; o talento é uma constância. Aparecer na janela da fama ficou mais fácil; com uma atitude criativa, é possível (ao menos bem mais do que antigamente). Porém, sem o talento para sustentar, a próxima atitude criativa vinda de outra parte qualquer, vai desviar o olhar de todos de novo. E assim está a mídia da música de hoje: desviando o olhar a todo momento a cada “explosão” criativa que alguém dá na internet. Tão mais fácil de aparecer, tão mais difícil de manter. E agora devo concluir que, ao contrário do que falei no início do texto, isso não é um advento democrático, mas uma ilusão disso.

(Foto: Getty Images)
Como um perseguidor do saldo positivo, devo falar que, apesar disso tudo, o lado bom da “nova ordem musical” é de fato dar chance a mais pessoas divulgarem o seu trabalho para outras tantas pessoas. Só gostaria que as bandas realmente boas fossem as beneficiadas desse movimento. E talvez a culpa da falta de qualidade do nosso mainstream musical seja nossa, os ouvintes. Nós precisamos estabelecer os critérios agora, e não mais os produtores musicais. Valorizemos, então, a boa música, a boa letra, o talento. Vamos, sim, dar espaço às bandas independentes, mas as boas, as que merecem!

Por que escrevi isso justamente no Dia de Finados? Esta eu não responder; fica subentendido. Foi um texto deveras extenso, mas não havia como ser diferente pelo tema que é. Obrigado pela atenção. E tenho dito.



Um comentário:

  1. A reciclagem de artistas está num ritmo absurdamente acelerado. Já pensou onde isso vai parar? Pra mim também é ilusão. Hoje pode ser até mais fácil aparecer - só que o funil tá mais estreito ainda...é preciso muito esforço para não sumir. A competição tá ficando tão grande que daqui a pouco vai ser obrigatório ter CNPJ para se possuir uma banda hehe.

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